Restituição de tributos aduaneiros em casos de perdimento de mercadorias

1. Perdimento de mercadorias e seus efeitos tributários

No Brasil, os operadores do comércio exterior, principalmente importadores, têm de tomar uma série de cuidados para trazer conformidade às suas operações, a fim de evitar fiscalizações e autuações da Receita Federal do Brasil, que podem trazer consequências severas para os empresários e, por vezes, inviabilizar financeiramente importações.

Um dos maiores medos dos importadores são, justamente, fiscalizações de fraudes aduaneiras, ou de quaisquer outras infrações que possam acarretar a famosa pena de perdimento, sendo as mais comuns a interposição fraudulenta de terceiros, inclusive na modalidade presumida, e o subfaturamento por falsidade material da fatura comercial.

pena de perdimento acarreta a apreensão das mercadorias pela Aduana, ou seja, o importador ou exportador perde a propriedade daquela mercadoria, que passa a ser da Receita Federal do Brasil, e esta dará a destinação legal àquela carga, ora leiloando-a, ora descartando-a, quando sua comercialização for proibida em território nacional.

Ocorre que, quando o perdimento decorre da aplicação de autuações alfandegárias, o contribuinte importador já efetuou o recolhimento de todos os tributos aduaneiros incidentes naquela operação, como imposto de importação, imposto sobre produto industrializado (se o produto importado for industrializado, efetivamente), contribuição para o PIS e COFINS, sem prejuízo do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.

Ou seja, o importador fica em uma situação em que tanto não conseguiu desembaraçar a mercadoria, como ainda teve o prejuízo financeiro de arcar com os tributos incidentes sobre tal carga, em que pese a legislação que rege os impostos e contribuições mencionados acima afastem a incidência sobre bens sujeitos à penalidade de perdimento, como se verá a seguir.

Mesmo os contribuintes que realizam requerimento de restituição administrativa de tais tributos, por vezes, têm de conviver com a negativa da Receita Federal do Brasil, por suposta falta de embasamento legal.

É justamente sobre a existência, ou não, de legalidade no referido pleito dos contribuintes que se dedica o tópico abaixo, concluindo-se o presente artigo com alternativas de solução para os importadores nacionais!

2. Bases legais de cada tributo aduaneiro e entendimento dos tribunais

Para entendermos o contexto em que o tema deste artigo normalmente é aplicado, mostra-se importante partirmos de um caso prático hipotético e acompanharmos o seu desenrolar, especialmente para facilitar o entendimento e aproximarmo-nos da realidade vivenciada pelos importadores brasileiros.

Pois bem, vamos a um exemplo prático. Suponhamos que a Trading XPTO LTDA. realizou operação de importação de 1.000 smartphones, realizada mediante compra e venda, com valor aduaneiro final de R$ 1.000.000,00.

Sabe-se que a classificação fiscal de smartphones é o NCM/SH 8517.13.00, com descrição de “telefones inteligentes (smartphones)”, a qual atrai a incidência de Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Contribuição para o PIS e COFINS, além do AFRMM incidente sobre o frete da operação, que custou R$ 10.000,00.

No ato do registro da declaração de importação, a Trading XPTO LTDA. teve de arcar com todos os tributos mencionados, conforme os parâmetros de cálculo abaixo indicados.

2.1 – Imposto de Importação

Segundo a legislação tributária brasileira, o Imposto de Importação incide sobre a mercadoria estrangeira nacionalizada e tem como fato gerador sua entrada no território aduaneiro pátrio, nos termos do art.  do Decreto-Lei nº 37/1966, que se considera ocorrido com o registro da declaração de importação.

Por base de cálculo, tem o valor aduaneiro, definido com base nos Métodos de Valoração Aduaneira, dispostos no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), anexo do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).

Seguindo a metodologia criada no AVA, o primeiro método de valoração aduaneira, que deve ser utilizado como regra geral em operações de compra e venda internacional de mercadorias, é o do valor da transação, que corresponde ao valor pago e a pagar, sujeito a alguns ajustes, dispostos na Instrução Normativa RFB nº 2.090/2022.

As alíquotas do referido tributo variam de acordo com a classificação fiscal da mercadoria junto ao sistema NCM/SH, definida segundo as regras de classificação de mercadorias. No caso de itens classificados no código NCM/SH 8517.13.00, tem-se que a alíquota de Imposto de Importação é de 12,8%.

Desse modo, a Trading XPTO LTDA. pagou, no ato de registro da declaração de importação, o montante de R$ 128.000,00 a título de Imposto de Importação.

2.2 – Imposto sobre Produtos Industrializados

O IPI-Importação, por sua vez, incide sobre mercadorias estrangeiras industrializadas nacionalizadas e tem como fato gerador o desembaraço aduaneiro da mercadoria, conforme art. I, da Lei Federal nº 4.502/64.

Ocorre que o momento de recolhimento do tributo é antecipado para o momento de registro da declaração de importação, conforme art. 182Ia, do Decreto Federal nº 7.212/2010.

Por base de cálculo, o IPI-Importação tem a soma entre o valor aduaneiro da mercadoria e o valor recolhido a título de Imposto de Importação. No nosso exemplo, esse valor seria de R$ 1.128.000,00, sujeito a uma alíquota de 15%.

Assim, a Trading XPTO LTDA. pagou, no ato de registro da declaração de importação, o montante de R$ 169.200,00 a título de IPI-Importação.

2.3 – Contribuição para o PIS e COFINS

Contribuições sociais irmãs, a Contribuição para o PIS e a COFINS costumam ser equivalentes em quase tudo, fato gerador, base de cálculo, créditos, divergindo apenas nas alíquotas.

Quando incidem em operações de importação, isso não é diferente. O fato gerador de ambas é a entrada de produtos estrangeiros em território nacional, que se considera ocorrido com o registro da declaração de importação, conforme art. I, e art. I, da Lei Federal nº 10.865/2004.

PIS/COFINS-Importação tem como base de cálculo o valor aduaneiro da mercadoria, apenas. Para itens classificados no código NCM/SH 8517.13.00, a alíquota da Contribuição para o PIS é 2,1% e a da COFINS é 9,65%.

Por consequência, a Trading XPTO LTDA. arcou com R$ 117.500,00 a título de PIS/COFINS-Importação.

2.4 – Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante

Instituído pela Lei nº 10.893/2004, o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha mercante, ou simplesmente AFRMM, trata-se de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, cujo fato gerador é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro.

A base de cálculo do referido tributo é o valor do frete, e a alíquota para importações pela via aquaviária de longo curso – costumeira neste tipo de operação – é de 8%, cabendo ao importador proceder ao recolhimento antes do desembaraço aduaneiro.

Finalmente, a Trading XPTO LTDA. arcou com R$ 800,00 a título de AFRMM.

2.5 – Despacho aduaneiro e aplicação de pena de perdimento.

Logo após o registro da declaração de importação, com o débito em conta dos tributos acima, inicia-se a etapa do despacho de importação intitulada “conferência aduaneira”, por meio da parametrização da DI em um dos canais de fiscalização (verde, amarelo, vermelho e cinza).

Como antecipado na introdução deste artigo, mesmo após o registro da declaração de importação, a mercadoria pode estar sujeita à penalidade de perdimento, sendo as causas mais comuns dessa sanção as seguintes infrações:

  1. Subfaturamento por falsidade material da fatura comercial que instruiu a operação de importação (Regulamento aduaneiro, art. 689, VI);
  2. Interposição fraudulenta de terceiros (Regulamento aduaneiro, art. 689, XXII);
  3. Abandono por equiparação, quando o despacho de importação fica interrompido por mais de 60 dias por ação ou omissão do importador.

Nos casos das alíneas a e b, em regra, a DI é parametrizada para o canal cinza, para que se proceda com o Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras, previsto na Instrução Normativa RFB 1.986/2020. Junto ao termo de abertura do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras, a RFB lavrará um termo de retenção das mercadorias listadas na DI.

É importante que o importador tenha em mente que a liberação das mercadorias retidas por conta da instauração de canal cinza só é possível até a lavratura do auto de infração, mediante prestação de garantia, em valor a ser fixado pelo auditor-fiscal responsável pelo desembaraço.

Caso o importador não consiga liberar suas mercadorias e, de quebra, tenha lavrado contra si um auto de infração pela prática de uma das infrações das alíneas a e b, a carga será levada a perdimento e, se não tiver a comercialização proibida em território brasileiro, leiloada.

Já a hipótese da alínea c pode decorrer tanto de fiscalizações do canal amarelo, como do vermelho, se a fiscalização solicitar que o importador apresente determinada documentação que não possua, como licença de importação ou Certificado INMETRO, ou pague diferenças tributárias.

Pois bem, segundo a legislação que rege cada um dos tributos listados acima, o perdimento das mercadorias importadas acarreta a não incidência do tributo, de modo que o importador teria direito à restituição dos valores pagos até então, veja-se:

Pois bem, seja nos casos em que a lei expressamente retirou da hipótese de incidência as mercadorias submetidas à pena de perdimento (II, PIS/COFINS-Importação e AFRMM), seja no caso de o fato gerador do tributo ser o desembaraço aduaneiro, que nunca chega a ocorrer (IPI-Importação), é certo não há incidência dos tributos acima sobre mercadorias apreendidas no curso do despacho de importação.

Isso tem sido reiteradamente reconhecido pelos tribunais federais brasileiros, conforme julgados do TRF-4 e do TRF-5 abaixo:

TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. OCULTAÇÃO DO REAL VENDEDOR. EXPORTADOR. COMPROVAÇÃO. LEGALIDADE. RESTITUIÇÃO. TRIBUTOS. 1. A ocultação do real vendedor em operação de comércio exterior enseja a retenção da mercadoria para fins de aplicação da pena de perdimento, na forma do art. 23, inciso V, e § 1º, do Decreto-lei nº 1.455/76. 2. A decretação da pena de perdimento afasta a incidência do Imposto de Importação, do IPI, da COFINS-Importação e do PIS-Importação, consoante o disposto no artigo § 4ºIII, do Decreto-Lei nº 37/66 e artigo III, da Lei nº 10.865/2004, e artigos 71, III, e 250, ambos do Regulamento aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), gerando o direito à repetição de eventuais valores pagos. (TRF-4 – APL: 50051921720194047208 SC, Relator: ADRIANE BATTISTI, Data de Julgamento: 15/07/2022, SEGUNDA TURMA)

PROCESSO Nº: 0817872-40.2021.4.05.8000 – APELAÇÃO CÍVEL – EMENTA TRIBUTÁRIO. IPI-IMPORTAÇÃO, PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO E II. PENA DE PERDIMENTO. REPETIÇÃO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA. (…) 3. Nos termos do art. § 4ºIII, do Decreto-lei nº 37/66, “O imposto [sobre a importação] não incide sobre mercadoria estrangeira (…) que tenha sido objeto de pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida”. – grifado 4. Quanto ao PIS e a Cofins incidentes sobre as operações de importação, o ressarcimento, no caso de aplicação de pena de perdimento, está previsto no art. , III, da Lei 10.864/2004, segundo o qual, “As contribuições instituídas no art. 1o desta Lei não incidem sobre () bens estrangeiros que tenham sido objeto de pena de perdimento, exceto nas hipóteses em que não sejam localizados, tenham sido consumidos ou revendidos”. 5. Conforme esclarecido pelo STJ, “desimporta que o fato gerador do Imposto de Importação – II e das contribuições ao PIS/COFINS – Importação já tenha ocorrido com a entrada da mercadoria no território nacional e o registro da Declaração de Importação – DI, pois a lei estabelece um verdadeiro benefício fiscal, uma isenção de que goza o contribuinte/importador que sofreu a perda” ( REsp. 1.485.609/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 25.9.2015). Neste mesmo sentido se manifestou o CARF: “O perdimento definitivo de mercadoria apreendida durante o despacho aduaneiro de importação afasta a incidência dos tributos sobre a importação, ao teor do inciso III do § 4º do art.  do Decretolei nº 37/66, porquanto a mercadoria foi localizada, não foi consumida nem revendida. Corolário disso, os tributos pagos por ocasião do registro da declaração de importação devem ser restituídos” (Processo: 10909.005708/200842, Acórdão 3803005.863). 6. Quanto ao IPI, obstaculizado o desembaraço aduaneiro pela instauração de Procedimento Especial de Controle Aduaneiro, o qual resultou na pena de perdimento, não há que se falar em ocorrência de fato gerador (art. 46I, do CTN). Assim, eventual recolhimento indevido legitima o direito à restituição. 7. Apelação da Fazenda Nacional improvida. Honorários advocatícios majorados em um ponto percentual, nos termos do art. 85§ 11, do CPC(TRF-5 – APELAÇÃO CÍVEL: 0817872-40.2021.4.05.8000, Relator: RAFAEL CHALEGRE DO REGO BARROS (CONVOCADO), Data de Julgamento: 15/09/2022, 3ª TURMA)

Veja, caro leitor, que no exemplo que trouxemos acima, relacionado aos smartphones, nosso importador fictício teria reduzido seu prejuízo em aproximadamente R$ 415.500,00, quantia bastante relevante!

De todo modo, a busca pelo Poder Judiciário para a restituição dos tributos indicados demanda a análise do caso concreto, a fim de se estudar o cenário como um todo do importador e a definição da melhor estratégia judicial-tributária.

3. Conclusão

Como visto ao longo deste artigo, o importador cuja mercadoria tenha sido submetida à pena de perdimento após o registro da Declaração de Importação e o pagamento dos tributos aduaneiros federais tem direito à restituição desses tributos, seja por expressa disposição legal (para o II, PIS/COFINS-Importação e AFRMM), seja por não ocorrência do fato gerador (para o IPI-Importação).

Contudo, um brevíssimo conselho: no caso concreto, busque o auxílio de um advogado tributarista ou de um contador de sua confiança e conte com esse profissional para defender seu patrimônio de cobranças indevidas.

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